Caro ouvinte, ouvante, ouvário. É triste ter que te informar a morte do maior poeta desconhecido de Curitiba: Trapo, o marginal drogado, o romântico grosseiro, o amante e assassino da poesia. Tanto tentou matá-la que acabou morto por ela. Ta lá, no chão de um pensionato sujo, todo ensangüentado. O desgraçado tinha que ser tão dramático e dar um tiro na cara?! Pensando bem, em se tratando do Trapo, não foi tão dramático assim. Sei lá se foi ele mesmo que deu o tiro. Talvez tenha sido sua infância odiosa, o desprezo de seu pai, ou seu impossível amor por Rosana. Será que não tava tentando passar um recado? Tipo, ele sendo um poeta... querendo matar a poesia... se matando... Nah! Não era nenhum idiota caprichoso pra dar um recado tão podre assim. Dizem que tem alguma coisa a ver com os gregos. Quem disse isso? Um tal de Cristóvão Tezza. Ah! e o professor Manuel também. Esse eu boto a mão no fogo que matou a charada. E eu que não dava nada pra ele. Mas sei lá, não interessa como morreu né? Só sei que enquanto tava vivo, ele era muito foda.
"Mas deixa eu explicar. É que houve alguns filhos da puta no passado (não muito longínquo) que por meio de artes do demônio e da magia negra, lançando mão do espiritismo e da metempsicose às avessas, houve uns desgraçados, uns desonestos, uns ladrões, uns larápios, uma súcia de escroques que, por não terem imaginação própria, por não disporem da mínima intuição criadora (e nenhum lastro de honestidade intelectual, evidente), rascunharam, escreveram, datilografaram e publicaram TODOS OS POEMAS que por direito imanente, impostergável, genético, soberano, absoluto, ME PERTENCIAM – poemas tão meus quanto a piroca que trago pendurado entre as pernas. Ou seja: não há engano possível. E, o que é pior – e insolúvel, esses canalhas viveram muito antes que eu tivesse nascido, de modo que não me restou nenhum recurso, legal ou não, para reaver o que legitimamente me pertence. Sou a vitima de um crime perfeito."