Em uma planície avermelhada e rachada, onde só o azul irritante do céu domina autoritário, negando a presença de qualquer nuvem de esperança, as únicas sombras que se formam são cinco silhuetas tortas. Elas pertencem a Fabiano, o rústico chefe da família, sinhá Vitória, sua esposa, e os dois meninos, seguindo logo atrás deles a fiel cachorra baleia. Essa família de retirantes em busca de sobrevivência, é vítima da terrível crueldade poética do autor Graciliano Ramos, que nessa obra se supera. Durante essa expressão da miséria humana ele não concedendo nenhuma piedade aos personagens, transformando-os numa extensão do cenário, e outras vezes, confundindo-os com animais. Aliás, a personagem com maior humanidade parece ser a cachorra, tendo um capítulo inteiro dedicado a ela, a única que recebe a simpatia do autor e é sacrificada, cortada de seu sofrimento. Fabiano e sua família seguem com suas Vidas Secas, sendo atormentados, mais que pelo calor, pela falta de esperança que faz evaporar seus sonhos.
"Pisou com firmeza no chão gretado, puxou a faca de ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou do aió um pedaço de fumo, picou-o, fez um cigarro de palha de milho, acendeu-o ao binga, pôs-se a fumar regalado. _Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta. Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra. Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando: _Você é um bicho, Fabiano. Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades. Chegara naquela situação medonha - e ali estava, forte, até gordo, fumando o seu cigarro de palha. _Um bicho, Fabiano."
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