segunda-feira, 19 de março de 2007

Notas do Subsolo - Dostoievski

Detestável, sujo, imundo. Um cão! Um verme. São palavras fortes a se dizer de alguém, e ainda piores se falam de si mesmo. Assim é o protagonista em "Notas do subsolo e outros contos": um homem medíocre, em um cenário deprimente, que decide no fim da vida confessar seus desgostos e rancores guardados há anos no subsolo de sua consciência. Esse homem vil encontra seus prazeres em dominar e humilhar qualquer um que puder desmoralizar. Infeliz, se obriga a transformar sofrimentos em prazeres. Enfim, alguém perfeitamente normal, como nós, que acaba descobrindo estar completamente desacostumado com a vida, ainda não sabendo a razão de sua existencia, e se irrita com ela. O próprio Dostoievski declarou que "para escrever bem, é preciso sofrer e sofrer". Mas sofrer muitas vezes é sinônimo de viver. Talvez seja por essa razão que encontramos nessa obra uma sinceridade assustadora ao revelar os sentimentos mesquinhos que guardamos nos porões e subsolos de nossa mente. Infelizmente algumas dessas notas também nos pertençam.

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"...quanto mais o bem e todas as coisas "belas e sublimes" se tornavam claras à minha consciência, mais profundamente eu me afundava na minha lama, mais eu me sentia capaz de me enterrar definitivamente. Porém, o que era particularmente notável é que esse desacordo não parecia uma coisa fortuita, dependendo das circunstâncias, mas parecia vir por si e se produzir muito naturalmente. Dir-se-ia que era meu estado normal e de modo nenhum uma doença ou um vício; a tal ponto que, finalmente, perdi todo o desejo de lutar. Enfim, para concluir, admito quase (talvez o admita completamente) que tal era com efeito o estado normal do meu espírito. Mas, antes, no começo, quantos sofrimentos suportei pacientemente nessa luta! Não acreditava que outros pudessem estar no mesmo caso, e durante toda a minha vida escondi essa particularidade como um segredo. Eu tinha vergonha (pode ser que tenha vergonha ainda hoje)."

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