terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Olhos

Quero apenas cinco coisas..

Primeiro é o amor sem fim

A segunda é ver o outono

A terceira é o grave inverno

Em quarto lugar o verão

A quinta coisa são teus olhos

Não quero dormir sem teus olhos.

Não quero ser... sem que me olhes.

Abro mão da primavera para que continues me olhando.

(Pablo Neruda)

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

1/11

No primeiro dia de dezembro o fascínio dos dias primeiros não brilhou. Talvez por ser o último mês do ano a sensação de começo se apaga. É diferente de um 1/11, seqüência de primeiros, uma sinergia de números que traz a esperança do novo começo. Falsa esperança. Falsa não, palavra muito forte (na vida é necessário eufemismos para aliviar o peso de viver), dissimulada esperança. Oblíqua também não, pois o olhar revelou demais, mais que devia, mais que queria. Essa coisa de revelar deveria ser proibida e o segredo coroado como rei supremo, idolatrado, protegido, guardado, como uma dádiva, na palma da mão. Dádiva que virou ferida, beijo que virou mordida, coração que virou nada. E o punho se abre contrariado, mas o segredo permanece, não quer voar, cicatrizou e agora faz parte das linhas da vida, tão óbvia que até a mais fajuta das ciganas pode ler: “tem alguém na sua vida”, e arriscaria “uma loira”. A necessidade de credibilidade força a invenção de detalhes - caiu por terra o artifício da vigarista. Tão claro, tão fácil de ver, todos sabiam, todos desconfiam. O ator excêntrico não podia manter sua máscara pesada e elaborada demais por muito tempo. A leitura de mãos nada mais é que jogar um belo verde. Julgava-se tão bom nesse jogo que descobriu o que não queria, perdeu a aliada ignorância. Mas essa amiguinha um dia abandona a todos e vem a verdade egocêntrica em seu lugar. Arrogante estapeia a cara, toma tudo como seu, não vai embora, declara usucapião, não divide o aluguel e nem ajuda na louça. “Ah infeliz!” diriam os gregos, afinal, a verdade era o plot principal de suas tragédias.
“Far-te-ei agora algumas perguntas.”
“Pergunta, não serei por isso criminoso”... mas será Édipo, assim que conhecer a verdade. Conhece-te a ti mesmo. É fácil falar. Sócrates esqueceu que há verdades que não podem ser ditas, perguntas que são melhores sem respostas. Por que o pedido de um vale mais que o de outro? Por causa da palavrinha impronunciável que encerra em si o sentido do universo.
E por todas as impronunciabilidades que se escondem com o rosto afundado nas mãos.
Da janela do último andar dizem que se pode ver o universo refletido nos vidros espelhados, enquanto um canto caetano canta seus encantos. Não adianta descer as escadas, correr, se apressar para ver sua origem, a imagem real tem menos significado que seu reflexo. É um simulacro de si. “Dissimulada”, perdida, incompreendida. E permanecerá assim enquanto houver um coração e no coração razões que a própria razão desconhece.

Desde primeiro de novembro uma eternidade passou. Mas a eternidade não passa.
Novembro acabou. Mas novembro não acaba.
Não foi doce, foi amargo esse novembro e vai durar enquanto o novembro existir.
Esquecer é impossível, bem sabes. Esquecer nada mais é que lembrar de que não é permitido lembrar.
Esquecer é desejar escondido o impronunciável.
Um Pietro Belli se tranca no sótão, só sairá quando o violino parar e a dor passar.
E passa,
passa a todo instante.
Não pára,
para sempre passará.








Ai esse novembro que não passa!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

SEM


















para um amigo

Em lugar de carta, derradeiro esboço.
A vista opaca da sacada,
(ar) riscava o eterno moço
La vie
La mort
AZUL
desamparada.


Casagemas, lança fora a dor.
Desveste o corpo de tez pálida.
Não foi por falta de um amor (?)
Foi por outra falta,
Mais outra,
E outra,
Outra alma, árida.


Vertigem, grito sussurro soçobro socorro amparo desamparo desalento desacerto desespero desvario disparate devaneio devanei ode vanei o convênio incêndio indecência indecifrável indolor inodoro imperdoável cara choro cala coro cama conto cala fala acode acorde dorme sonha some sempre nunca pára onde para onde pára. Vertigem.
Clama todos para baixo. Quando se olha demais parece tão perto que não há porque não. Outralmárida.


E todo dia o menino fugia
Todo dia o menino voltava
Tanta liberdade queria
Que esqueceu onde morava


Fugiu o poeta
Prosélito de bares,
Fugiu o pintor
Traço de vertigem pelos ares
Fugiu o menino que fugia
Que cantava quintanares
Fugiu.


“Um outro mundo existe.., uma outra vida...
Mas de que serve ires para lá?
Bem como aqui, tu’alma atônita e perdida
Nada compreenderá...”



Último salto de liberdade.

Saudade.


segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Um canto qualquer

Em uma esquina qualquer,
Em uma mesa qualquer,
Paira um assunto qualquer
Entre amigos, estes sim, únicos,
De quem só o bem se quer.

Eu nunca traí
[todos bebem, menos um (vai dirigir)
Eu nunca fui traído
[todos bebem, menos um
Eu nunca chorei por alguém
[todos, menos um
Eu nunca tomei a decisão certa
[todos, nenhum

Alguém imita um velho professor.
Alguém recita um poema.
Alguém receita um novo amor.
Alguém esquece um problema.

Peça mais uma porção de batatas,
De coraçõezinhos,
De memórias, estórias,
Saudades, maldades
nos comentários
E uma porção especial de idéias tão geniais quanto irrealizáveis.

Fique tranqüilo,
O som do devedê salvaguarda as confidências
Gritadas ao pé do ouvido,
(Filosóficas incoerências)
Olvidadas nas próximas rodadas por todos, menos um.

Tenho que dizer
Essa lua,
Esse conhaque,
Botam até o diabo comovido como a gente.

Eu amava,
Eu amei.
Eu ainda amo.
Eu não sei.

Todos choram,
Todos riem,
Todos bebem,
Menos um.

“Este aí não precisa de álcool”.

Todos voltam pra casa,
Menos um.
Todos caem no sono,
Menos um.

Dirige alheio à direção

Pelo pára-brisa-caleidoscópio,
Nasce sol por todo lado.
Reina agora o solilóquio.
Sóbrio, é o que mais ficou embriagado.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Detalhes

É um flash de memória.


É um riso familiar na platéia.


É um toque do telefone que se desliga infantilmente ao ser atendido.


É uma foto que se tira com os olhos, exposta na galeria da mente.


É um nascer do sol que não se viu em uma praia nublada.


É a noite em claro com amigos.




a caminhada na chuva.


o dia inteiro de pijamas.




e a maior dificuldade é saber se somos nós ou os detalhes que são mais importantes.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

O Passeio

O samba rolava solto pelas tantas da manhã, mas ela não saía por nada daquela cadeira, na ponta esquerda do salão. Já tinha recusado Jorge, Noel e até Cartola. Este último, com sua "Divina Dama", previa o que logo aconteceria (ou quem sabe foi o causador de tudo?).

"Atordoado fiquei
Eu dancei com você
Divina dama
Com o coração
Queimando em chama..."

Seu salto alto a incomodava. Pelo menos era o que seu gesto insistente de massagem nos pés esforçava-se para deixar claro. Com esse pretexto foi capaz de, até então, enganar vários pretendentes (cada vez mais insistentes), mas um ritmado tapear do pé esquerdo denunciava sua farsa. Talvez desejasse que a descobrissem, que alguém a puxasse a força para o meio da pista, recusando todas as suas desculpas, alguém merecedor de sua atenção. Não, nunca se permitiria a um pensamento tão soberbo. Se bem que um pouco de amor próprio não machuca ninguém.

“... Fiquei louco
Pasmado por completo
Quando me vi tão perto
De quem tenho amizade
Na febre da dança
Senti tamanha emoção
Devorar-me o coração..."

Recusou um último convite sem saber exatamente porque insistia em fazer aquilo. Estava lá pra dançar. Queria dançar, mas olhava desmotivada para aquele grupo desfoque de corpos. Uma bagunça. Sem perceber ajeitou o cabelo, uma mecha cobria seus olhos, ou foi um feixe de luz que passeou sobre seu rosto. Ela esperava.

"... Tudo acabado
E o baile encerrado
Atordoado fiquei
Eu dancei com você
Divina dama."

E esperava.
Subitamente Pixinguinha entra no palco. Sua flauta, doce, imediatamente flutua em sentido anti-horário pelo salão em um passeio ora despreocupado, ora apressado. Corre, gira, freia bruscamente, sobe em um looping perigoso e, como se em um ato deliberado, inconseqüente, acerta em cheio o grande globo de espelhos. Uma explosão de luzes coloridas, repletas do "olor da mais linda flor", brisa de Pixinguinha, desce (doce enlevo) sobre os casais. Lança-se, laça, entrelaça, envolve - revolve os pares pela pista.

A flauta acelera o passo, como se ansiosa por terminar seu solo. Voa desenfreada. Oscila indecisa, como o balão que se solta da mão da criança, sem que se tenha fechado o nó, e quer visitar todo o espaço antes de perder o seu ar, aproveitar a curta vida. A dama admira o rastro de fumaça incolor do vôo de Pixinguinha até o seu pouso final sobre um par de olhos perdidos, exatamente na ponta oposta do salão.


"Tu és..."

A multidão na pista fecha a sua visão. Ela nem percebe que está agora de pé buscando aqueles olhos, que pareciam, por sua vez, estarem em busca de algo, alguém. Quem parecia perdida agora era ela. Esticou-se inteira, quase subiu na cadeira, mas foi exatamente esse ímpeto absurdo que a trouxe de volta à consciência. Mas o que está acontecendo? Eu estou com o pé machucado, pensou enquanto sentava novamente.


"... do amor..."

Mergulhou o rosto nas mãos e segurou a respiração. Fantasiou que estava submersa na água, o pulsar da batida virou ondas suaves, lembranças da casa de praia. Afundava. Deixava-se calmamente afogar.
Uma figura parou a sua frente, convicta. Ou em atitude súplice?

"... Se Deus me fora tão clemente
Aqui nesse ambiente
de luz..."


Inconscientemente, ela aceita a mão salvadora que se estende pra ela e emerge daquele estado sonâmbulo. Afinal, ele a achara (ou foi ela?) e era merecedor - esforçava-se, com esse raciocínio, explicar a sua abrupta mudança de atitude, aquela facilidade em conceder a dança. O raciocínio durou pouco, logo estava entregue àquele passeio em um mundo misto de samba/valsa/poema. O tempo parou (embora, ao mais tarde recordar-se dos acontecimentos, nunca tenha passado com tanta pressa), só eles se moviam livres no espaço, presos um no outro. Braços, abraços. E...

"... Teu coração junto ao meu lanceado ..."

Era como se tudo acontecesse ao mesmo tempo: giro, olhar, passo, abraço, olhar, giro, passo. Abraços. O sopro da respiração "... Tu és..." no pescoço. "... de Deus a soberana flor..." O perfume.


"... Oh flor meu peito não resiste..."

Resiste. Resista! Quantas vezes já dançaram juntos? Uma amiga.
"... Tu és..."
Linda, quantos se apaixonam por ela a cada minuto?



"... Tu és..."
Resista. É seu amigo. Não é seu. É
"... tudo enfim que tem de belo..."


Deixavam-se levar em um perigoso jogo de faz de conta, camuflado sob o pretexto da interpretação, da emoção na dança (sempre um ótimo pretexto, quase uma convenção do universo dançante). Era só uma dança, um passeio. Depois daquilo tudo voltaria ao normal.

"... Oh meu Deus o quanto é triste
A incerteza de um amor..."

Mas passeavam por lugares nunca antes vistos. O caminho de volta, fragilmente marcado por migalhas, já fora devorado pelos pássaros logo na primeira estrofe.
E Pixinguinha, inconseqüente, sugeriu, em toda maldade, um último descontrole:

"... Depois de remir meus desejos
Em nuvens de beijos
Hei de envolver-te até meu padecer
De todo fenecer..."

A música silenciou-se e uma versão frenética de "Brasileirinho" já ocupava o palco imaginário. Os dois se olhavam, parados exatamente no centro do salão, alheios ao mundo sambando à sua volta. As palavras de cartola ecoando ainda na mente:

Fiquei louco
Pasmado por completo
Quando me vi tão perto
De quem tenho amizade
Na febre da dança
Senti tamanha emoção
Devorar-me o coração
Divina dama.

Ela se aproximou, tímida, de seu rosto. Ele estremeceu ("Hei de envolver-te até meu padecer"). Ela beijou seu rosto e agradeceu a dança. Um cavalheiro qualquer já a puxara dele.
Tentou encontrar o caminho de volta, mas estava perdido. Sentou-se na primeira cadeira que encontrou, não tinha salto alto como desculpa, mas nem precisava, a expressão alienada em seu rosto dizia tudo: ainda dançava, ainda não voltara do passeio. O estrago estava feito, nunca mais conseguiriam dançar juntos.

Daquele passeio, nenhum encontrou o caminho de volta.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Um gosto pelo trabalho (conto antropológico, fágico, etc)

A criatura em questão, não sabia mais o que estava fazendo. Nem se reconhecia mais ao olhar no espelho. Ao invés de sua figura alta e escanifrada (ultimamente teve dificuldades em conquistar suas refeições), via um frango assado, quando muito, em suas fases mais confiantes, um filé mignon.
Suas visitas ao restaurante tinham razões aparentemente cleptomaníacas. O garçom, ao levar o seu pedido, encontrava uma mesa limpa de seus talheres, temperos e do cliente em si. Às vezes nem a toalha quadriculada escapava. Na verdade só tinha interesse pelos temperos, mas pra não acharem que era um louco, preferia levar fama de ladrão.
Essa estranha mania começou tão automaticamente quanto seu monótono trabalho de escriturário de repartição pública. Um belo dia (sempre acontece mudanças em dias belos) a secretária do chefe, ao lhe entregar o “fardo” rotineiro de papelada, baixou a guarda, tomando um belo beliscão na abundante bunda. Do beliscão foi pra mordidinha na orelha, da orelha pro pescoço, e do pescoço pra consumação total.
Uma coleção de potes de temperos vazios se acumulava sobre sua mesa enquanto o número de funcionários da repartição diminuía gradativamente. Quando o trabalho dos sumidos se acumulou pra ele, foi que decidiu se entregar à justiça.
Condenado à pena de morte teve apenas uma exigência: a presença de seu advogado em sua última refeição.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Que manhã maravilhosa!

Hoje, pela primeira vez na vida, acordei meia hora antes, ao invés de meia hora depois, da minha aula. Mas, no fim, foi o mesmo que nada. Antes tivesse dormido.

Achei que por ter meia hora a mais poderia preparar algo pra comer e assim não ter que conversar a manhã inteira com meu estômago. Antes tivesse passado fome.

Comi uma banana, fiz um sanduíche de margarina, delícia, e preparei aquele Nescau Radical! Mas tão radical que resolveu até fazer bungee jump da minha mesa. Pena que esqueceu a cordinha e foi parar no chão. Parar é modo de dizer porque é impressionante como Nescau Radical consegue ir longe quando cai. Na verdade, por ser radical, resolveu continuar os esportes fazendo trilha pela cozinha toda, alpinismo nas paredes e móveis, e paint ball na minha calça. Eu não aguentei. Joguei a toalha e mandei ele pro chuveiro ficar de molho.

Depois falam que eu tenho uma vida sedentária, o que só é verdade pelo fato de ter sido meu último copo de leite. fiquei com sede.
Por isso que sempre falo: não adianta se esforçar, vai dar errado mesmo.
Eu tentei chegar na hora, sem fome, e olha no que deu: cheguei atrasado, com fome e sujo. Antes tivesse nem tentado.

Mas acho que o problema aqui não foi pelo esforço, mas sim pelo meu desentendimento com a tal da Pontualidade, nós nao nos damos muito bem. Na verdade a gente só se conhece de vista, mas sabe quando os santos não batem? Então, é o nosso caso. Até tentei estabelecer uma relação mais próxima, mas quando não é pra ser, não é pra ser.
Por isso fico com a Procrastinação mesmo, já temos uma relação de longa data. Nos conhecemos desde pequenininhos, temos os mesmos interesses, e caso tenhamos algum desentendimento, sempre deixamos pra resolver depois. No fim acabamos esquecendo mesmo. Tenho quase certeza que ela nunca vai me abandonar, se bem que antigamente eu costumava ser uma pessoa indecisa, hoje não tenho tanta certeza disso.

A única certeza é que não há propaganda enganosa no Nescau. Antes tivesse.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Quanto custa?

- E aí colega. Tô procurando amor, tem aí?

- Opa, claro, tem vários, qual você quer?

- Eu to procurando amor verdadeiro.

- Víx. Não vai ter desse por aqui não. Aliás, vai ser bem difícil de encontrar. Eles pararam de ser fabricados faz tempo.

- Puxa, eu queria tanto. De tanto ouvir falar disso, nas músicas, novelas e poemas, achei que fosse algo comum.

- É tudo menos comum, acontece só de vez em quando. Eu mesmo, com tantos anos de experiência nesse trabalho, não vi mais do que umas três ou quatro vezes. Estou até surpreso que tenha pedido por isso, não tem muita, ou quase nenhuma procura por amor verdadeiro esses últimos tempos. O máximo que me aconteceu esses dias foi um tal de Frejat procurando um amor muito cheio de exigências, mandei ele ir procurar na lua.

- Mas assim você me desencoraja de procurar um amor.

- Desculpa meu jovem, mas como vendedor tenho que deixar bem claro que não posso garantir que fique cem por cento satisfeito com o amor, ainda mais por não ter aqui o tal do verdadeiro. Mas tenho muitos outros modelos, vale a pena conferir. Olha, eu tenho esse aqui, modelo antigo, mas sai muito ainda: Amor Platônico, é bem econômico, não precisa levar pra jantar, comprar presente no dia dos namorados, só precisa ficar olhando de vez em quando e de longe. Vai querer¿ é ótimo pra pessoas tímidas.

- Não obrigado, já tive muitos desses. Queria algo mais intenso, mais palpável.

- Ah, deixa eu ver... narcisista não, muito comum, tudo mundo tem...amor de verão, não, acabamos de entrar no outono...amor de infância, esse as vezes eu dou de brinde nas escolas, pra incentivar as crianças a comprarem mais no futuro, mas não é o seu caso. Opa! Achei. Mas só uma perguntinha antes, você não é da vigilância fiscal é?

- Não, porque?

- É que esse aqui tem venda sob prescrição médica, mas ninguém leva isso a sério. Você vai gostar. Voilá: Paixão Fulminante. Muito bom. Intenso como você disse. Não é recomendado para pessoas com problemas cardíacos, o efeito é muito forte no início, mas passa rapidinho. O problema é que o uso excessivo acaba diminuindo o efeito de qualquer outro amor que venha eventualmente a ter. E aí¿ vai querer?

- Parece divertido, mas meio perigoso. Não tem algo que não comprometa tanto a saúde assim?

- Que não comprometa? quase tudo que tem aqui é sem compromisso. Temos namorico, flerte (ou Azaração, que é um produto da globo, dá no mesmo), paquera (nossa, sobrou desses da década de 60!), relacionamento aberto - esse eu tenho até vergonha de vender. Pra você ver, eu nem vendo os adicionais de nome esquisito em inglês e francês porque aí já é pouca vergonha demais. Mas nessa profissão a gente tem que ficar atento às novidades, senão acaba falindo.

- É, às vezes eu me sinto deslocado da galera por não ser tão moderninho quanto os outros.

- Não se preocupe, eu tenho algumas novidades tecnológicas interessantes. Aqui ó: o PAPA, versão beta XVI (Programa Avançado de Pesquisa Amorosa), desenvolvido pela Google e a Vatican corporation. Vem com um manual de técnicas de azaração virtual com dicas de como usar o “scrap secreto” e nicks sugestivos, além de um treinamento em obtenção de informações via orkut e uso simultâneo de várias janelas do MSN. Particularmente acho que é tudo uma jogada de marketing pra fazerem os jovens perderem seu tempo na Internet e evitarem de usar essa outra novidade - o “Ficar”. Parece que a Vatican co fez uma declaração contra o “Ficar”, dizendo que era perigoso, sendo mais seguro virar coroinha. Mas eles sempre arrumam brigas por nada, a última foi com as farmácias por venderem certos remédios.

- Certo, mas afinal o que é esse “ficar”?

- Ah, desculpa. É o seguinte, você compra esse aparelho, desenvolvido pela “Jáéou Jáéricsson”, aí você insere os créditos de beijos e vai gastando com todos que tem esse aparelho. O quanto mais conseguir gastar no dia melhor. Aí tem os planos +15, ou +25; tem também o plano “meu jeito” que facilita o uso em horários pré-determinados, manhã, tarde ou noite; tem o número predileto, apelidado de amizade colorida, mas só dá problemas, além de um monte de promoções.

- Puxa, sabe o que é¿ não me parece nada com o que eu estava procurando no início. Tenho medo de usar essas outras alternativas e acabar me contentando só com elas. Não queria ter de desistir tão cedo do amor verdadeiro.

- Entendo, meu jovem, mas não posso fazer nada. O amor verdadeiro foi feito pra durar a eternidade e está fora do meu poder prover isso pra você. Mas se quiser dar uma olhada na loja, fique a vontade, se achar algo que te interesse... estamos aí.

...

- Ei. Olha só, achei essa caixinha escrita Romeu e Julieta, me interessa muito, afinal, o amor deles pareceu-me bem intenso. O que é?

- É goiabada com queijo mesmo. Na verdade é só um brinde. Era isso ou olho da sogra. Sendo que casamento já ta em baixa aqui, achamos que poderia desestimular ainda mais a compra.

- Que pena.

- Que pena nada! Olha, o que aconteceu com Romeu e Julieta foi só mais um caso de overdose de Paixão Fulminante. E nem ficaram juntos no final, ou você acha que se matar resolve tudo? Meio dramático não¿ O amor verdadeiro é eterno e não traz morte, mas vida.

- Entendi. E esse outro “negocinho” aqui, esse triângulo amoroso¿ pra que serve?

- Sabe que eu não sei, nunca vi funcionar, mas sai muito. Pra falar a verdade, o amor quase nunca funciona, exceto o verdadeiro.

- Então pra que serve tudo isso?

- Com o tempo você vai perceber que nem tudo é feito pra funcionar, mas ainda assim é muito belo. Sabe de uma coisa garoto? Você me parece estar realmente interessado no amor. Eu estava guardando isso para alguém que realmente merecesse. Está aqui, meu último exemplar de amor sincero.

- Nossa! É lindo.

- Sim, porém muito frágil. O amor sincero é o que mais se aproxima do verdadeiro, aliás, muitas vezes até acaba se transformando em verdadeiro. Tudo depende de como você o trata.

- Vou levar. Quanto custa?

- Ah, não poderia cobrar nada de você. Primeiro porque é o primeiro que parece interessado de verdade e, portanto, merece esse amor; segundo porque não posso te dar garantia nenhuma de que esse amor funcione; e terceiro, porque, embora possa te dar muita felicidade, poderá trazer muita tristeza e dor caso não funcione. Às vezes ela nunca chega a passar completamente.

- Não importa, quero arriscar. Detestaria pensar que perdi de ter algo tão belo por medo de me machucar. Vou cuidar muito bem dele e tentar nunca estragá-lo. Mesmo que não venha a funcionar, vou carregar esse amor sempre comigo e lembrar sempre dele. E quando alguém me ver, de olhos fechados, sorrindo à toa, nem precisará me perguntar o porquê. Além disso, você disse que ainda tem a chance de se tornar eterno.

- Bem, na verdade foi mais o meu lado vendedor que afirmou isso. Realmente não entendo muito bem disso. O amor eterno não é daqui, ele é... bem, eterno. Não dá pra encontrar ele em qualquer loja. É como se, sendo algo divino, tivesse que ter um pedaço do céu aqui na Terra pra poder encontrá-lo e eu não sei onde seria esse lugar, nem sequer se existe.

- Então vou fazer tudo pra encontrar esse lugar, nem que leve minha vida inteira. Nem que tenha que ir até o ponto final do Centenário - Campo Comprido.

- Se encontrar volte pra me contar.

- Vou agora mesmo. Muito obrigado por tudo. Mas só mais uma coisa que não entendo de jeito nenhum: se o Amor Eterno é algo tão maravilhoso, por que quase ninguém procura?

- Deve ser pelo custo.

- Quanto custa?

- Tudo.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Reiniciar

...que vontade de dar um ctrl + Z na vida.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Quando foi que deixei de ser meu¿


¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿

Por que meus pontos de interrogação estão sempre de ponta cabeça¿

Traidores de sua função questionam o questionador.

Não pedem respostas, só novas dúvidas

E embora estejam no final da pergunta impedem seu fim.

Aprisionam criador, súbita criatura, em criação.

Liberdade de pensamento em escravidão.


Senhor de si é servo do pior tirano.


Coberto de verdades irrelevantes,

Idéias fixas flutuantes.

Perpétuo diferente,

Decidido, desistente,

Frente ao antes.

Quando foi¿

Antes¿


Pergunta indefinida

(indeferida)

ferida

ida

¿


E (muito ou pouco ¿) antes que se vá volta a interpelar:

Quando foi que deixei de ser meu¿

Já no comecinho, quando parei de falar na primeira pessoa

Pra falar do outro.

¿


fim alternativo:

Já no comecinho, quando parei de falar na primeira pessoa

pra pensar em outra.

¿


fim alternativo sintetizado:

já no comecinho, quando parei de pensar.

¿


fim real:

Por que meus pontos de interrogação estão sempre de ponta cabeça¿